23 setembro 2006

Dica de Livro


Livro de primorosa impressão, talvez a melhor de todos os seus, Cidades Reveladas, do paulista Cristiano Mascaro é uma publicação rara, que pertence a uma obra igualmente única na fotografia brasileira. Foram seis anos andando por cidades brasileiras conhecidas, como São Paulo (tema de outro belo livro do fotógrafo, pela Editora Senac), Ouro Preto e Rio de Janeiro, e outras menos conhecidas, como João Amaro, na Bahia, Pirinópolis, em Goiás, ou Laranjeiras, no Sergipe.Com câmera e tripé no ombro, a figura do arquiteto, repórter e fotógrafo Mascaro, é freqüente, assim como, seu incansável registro da arquitetura e do povo brasileiro, já documentados em dezenas de exposições, livros, que fazem parte de inúmeros importantes acervos brasileiros e internacionais

Contudo, o que destaca Mascaro de uma jornada, às vezes tão prosaica, em meio a banalidade da imagética contemporânea? O que faz com que suas imagens sejam tão especiais, quando as extrai de cenários tão comuns ao nosso imaginário? Imagens que surgem como verdadeiras revelações de algo que não vemos, ou melhor, de algo que não conseguimos enxergar. Por certo, o olhar arguto formado em meio a cultura estabelecida pelos grandes fotógrafos brasileiros surgidos nos anos 70 - e que estão ai até hoje - seja uma das razões. Mascaro não se estabeleceu no cânone simplesmente com uma imagética poderosa e poética. Suas imagens tratam de algo mais profundo, mais arraigado em nosso imaginário, quando elas ultrapassam o mero registro arquitetônico da cidade.É por isso, que vemos em seus livros, uma Curitiba que não vemos quando estamos lá. Um detalhe da caótica São Paulo, que não percebemos mesmo quando estamos em meio a ele. Ou até mesmo, aquele momento preciso e precioso, de alguém passando pelos Arcos da Lapa, que de tão conhecidos, nosso inconsciente faz com que não possamos enxergar o que há pelos vãos, por cima de suas arcadas.

Para Paulo Mendes da Rocha, outro arquiteto de igual talento, as imagens de Mascaro fixam, de modo comovente, o invisível. Dizem, o indizível. Desencadeiam o infinito universo da imaginação, da cogitação. Para ele, também reside nesse pensamento, o fato de a cidade então se ver na sua dimensão de desejo e lugar da monumental presença do homem no universo.Portanto, podemos entender que o fotógrafo registra o real , para criar um universo, que apesar de ser seu, se expande em diferentes formas da nossa percepção. Nos toca de maneira poética, sem perder seu caráter documental. Como o inglês Julian Barnes diz: “a nossa percepção vem da arte imaginativa”. Então é preciso trasnformar esta realidade em algo artístico, algo imaginado, para que possamos ter sua compreensão real. Só assim o ser humano sensível é tocado.Ao tratar a questão da sensibilidade, outro arquiteto-artista, Sérgio Fingermann, é mais cartesiano, quando diz que, quem acredita ver mais luzes do que sombra, está enganado. Embora se torne mais conceitual, quando diz que o trabalho de Mascaro comenta esta realidade frágil e preciosa que entendemos por imagem. Um jogo que constrói a memória, as reminiscências, os esquecimentos e, até mesmo, alguns esclarecimentos. Uma ponte que nos conduz ao território das ilusões.

É nessa dicotomia que trafega a vasta obra do fotógrafo. O documental se transforma em poético e a poesia nos leva a divagação filosófica, embutida num poderoso jogo de luz e sombras. Destaca-se também como libelo - em meio a fragilidade da arte contemporânea sugerida por falsos arautos que tentam se estabelecer em igualmente falsos pedestais - ao provar na sua pura simplicidade que a boa arte não carece de maneirismos estéticos, tão caducos quanto seus produtores.Renina Katz, gravadora excepcional, cita o poeta, gravador e professor francês Henri Focillon (1881-1943): “A forma não depende das idéias, porém uma e outra têm um ponto em comum que as distinguem da vida das imagens e das lembranças. Embora a sua relação com o mundo é ainda a idéia”.

O que surgem neste belo livro são as “idéias” de um grande fotógrafo, acima de tudo, contemporâneo em seus afazeres. O olhar percorre as ruas das cidades como se fossem páginas escritas, para lembrar Ítalo Calvino, a quem Cristiano Mascaro sempre recorre, em suas “Cidades Invisíveis”. As mesmas cidades que aqui são reveladas em requintadas composições e na beleza das formas de seu preto-e-branco.

Cidades Reveladas:Fotografias de Cristiano Mascaro
Textos de Renina Katz, Paulo Mendes da Rocha, Sergio Fingermann, BeneditoLima de Toledo, Carlos Lemos, Cristiano Mascaro e André Correa do Lago
BEI Editora
ISBN- 85-86518-73-5
www.bei.com.br

Texto retirado do site: Fotosite
Escrito Por : Juan Esteves

Um comentário:

Anônimo disse...

Suas fotos não têm nada de espetacular!
E ISSO É ESPETACULAR!!!!!!!!!!. Elas têm uma coisa de beleza sem maquiagem, rotina sem tédio, cotidiano sem o "todo dia" do Chico. minha opinião de expectador amador?!?! este é o caminho: extrair beleza da simplicidade, garimpar o absurdo do cotidiano.